Grávida pode beber? O que é síndrome alcoólica fetal?
O útero é um ambiente seguro, protegido e inviolável se a mãe estiver protegida também. Proteger as grávidas significa proteger gerações futuras e a vida, sempre é bom lembrar. Portanto, políticas de prevenção ao uso de drogas deveriam começar na barriga das mães, sem exagero nenhum. Pesquisas atuais na área de epigenética demonstram que o uso de drogas pelos pais, inclusive o álcool, ativa determinados genes que facilitam doenças mentais no futuro; que esses genes ativados são transmitidos aos fetos; e que filhos de mães usuárias de drogas que usaram alguma substância durante a gestação tiveram mais chances de usar drogas no futuro do que mães usuárias de drogas que não as usaram durante a gravidez. Portanto, não é exagero dizer que a prevenção começa no útero.
A placenta, por onde ocorre a troca de nutrientes entre mãe e feto, tem uma superfície de intercâmbio estimada em 67 metros quadrados e, se forem considerados os capilares, chega a 50 quilômetros de extensão linear. É uma troca intensa. Pela placenta passam quase todas as drogas que a mãe usa. No caso do álcool, a concentração fetal chega a ser dez vezes maior do que a materna quando a mãe usa álcool. Por isso, não existe beber seguro durante a gestação. Assim, bebê em formação é coisa séria e mamãe abrigando um bebê em formação é coisa mais séria ainda.
Quando a gestante consome bebida regularmente, principalmente no primeiro trimestre, o bebê pode nascer com a chamada síndrome alcoólica fetal. Não existem estudos que quantifiquem exatamente a dose e a regularidade necessárias para que a síndrome ocorra.
O ponto de corte é impreciso e, portanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que beber durante a gestação, em qualquer dose, não é seguro.
A síndrome alcoólica fetal foi primeiramente descrita na França e posteriormente nos Estados Unidos na década de 1970. Na sua forma clássica, podemos dividi-la em três grupos de sintomas: (1) atraso do desenvolvimento pré e/ou pós-natal (baixo peso, baixa estatura ou circunferência craniana menor que o percentual 10 para a idade gestacional); (2) comprometimento do sistema nervoso central (SNC), defeitos neurológicos e retardo mental de grau variável – atraso no desenvolvimento intelectual, principalmente distúrbios de aprendizagem e de comportamento, déficit de memória e de atenção, hiperatividade, impulsividade e agressividade; (3) dismorfias craniofaciais: microcefalia (circunferência craniana pequena), microftalmia, micrognatia (área maxilar achatada) e lábio superior fino.
Essas alterações nem sempre estão todas presentes nem são tão evidentes ao nascimento. Algumas vezes, a criança nasce com baixo peso, um pouco prematura, e o atraso motor e intelectual será percebido só mais tarde. Dependendo do nível de atenção dos pais, ou em filhos que sofrem abandono, algumas vezes esse atraso só será percebido muito mais tarde, quando a criança demora para andar, não consegue falar ou, dependendo do nível de abandono, não acompanha o desenvolvimento dos colegas da mesma idade na escola, por exemplo. Essa é a causa mais frequente de retardo mental não genético e, portanto, evitável no mundo.
As causas são imprecisas e bastante técnicas, mas estudos recentes demonstram que o uso de álcool na gravidez prejudica o transporte de folato para o feto devido à alteração na expressão de proteínas de ligação e transporte, acarretando defeito na formação do tubo neural e anomalias cardíacas. O álcool pode levar à hipóxia (falta de oxigênio) fetal. Ocorrem ainda distúrbio no metabolismo de glicose, proteínas, lipídios e DNA e neurogênese diminuída (formação de novos neurônios prejudicada). Além disso, a prematuridade é considerada uma importante consequência da síndrome alcoólica fetal. Em um estudo de seguimento recente nos Estados Unidos, incluindo 24.679 gestações, foi observado risco aumentado de aborto espontâneo no primeiro trimestre (de sete a 11 semanas completas de gestação) em mulheres que consomem mais de cinco drinques por semana.
As estatísticas no Brasil não são precisas. Não temos dados populacionais em grávidas. Mas, em mulheres de maneira geral, isso tem aumentado. De 2006 para 2012, no Brasil, houve um aumento de 34,5% no número de mulheres que bebiam regularmente (uma vez na semana ou mais) e aumento de 36% no número das que bebiam em binge (quatro ou mais doses na mesma ocasião). É de se supor que possa ter aumentado o número de mulheres grávidas que usam álcool também.
Para que não haja um aumento futuro de crianças com síndrome alcoólica fetal, é preciso informar as mães, alertar a sociedade e proteger os bebês e as crianças, que são o nosso futuro. É melhor evitar o álcool, porque para essa síndrome não há tratamento, mas ela é evitável: é só não beber durante a gestação.
Referência consultada e sugerida
Rogério A. Santana; Leonardo F. J. L. Almeida; Denise L. M. Monteiro. Síndrome alcoólica fetal – revisão sistematizada. Revista Hospital Universitário, v. 13, n. 3; Obstetrícia jul./set. 2014.
Disponível em: <http://revista.hupe.uerj.br/detalhe_artigo.asp?id=501>. Acesso em: 27 set. 2015.
Fonte: SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina