O que é beber em binge? Quem são os brasileiros que costumam beber nesse padrão?

Nesta semana participei da banca de defesa de doutorado do Dr. Daniel Socrates aqui na UNIFESP, que estudou o padrão de “beber pesado episódico” (em binge) no Brasil. Muito se fala em crack atualmente, mas o álcool continua sendo a principal droga consumida no mundo, daí a importância desse estudo.

Mais de 2 bilhões de pessoas consomem bebida alcoólica no planeta, já que é uma droga lícita na maioria dos países. Cerca de 4% de todas as mortes no mundo têm relação com o uso de álcool, alcançando um número de 2,5 milhões de mortes ao ano.

O uso crônico do álcool causa ou agrava cerca de 60 tipos de doenças clínicas, afetando todos os tecidos do nosso organismo: o tecido cardíaco, provocando, por exemplo, uma doença chamada miocardiopatia dilatada; o tecido cerebral, provocando demência de vários tipos; a pele, provocando lesões por deficiência de vitamina, a pelagra; o tecido nervoso periférico, provocando neuropatia periférica, que diminui a sensibilidade e causa impotência sexual, entre outros sintomas; o sistema digestivo, provocando gastrite, enterites, síndrome de má absorção, e por aí vai.

O uso episódico está menos ligado aos problemas crônicos, mencionados acima; entretanto, vários estudos já relacionaram o volume de álcool consumido e a concentração sanguínea do álcool com diversos problemas sociais, familiares e clínicos. O uso pesado episódico, ou uso em binge, causa outros tipos de problemas não menos importantes: sexo desprotegido e todas as suas consequências, como gravidez indesejada e doença sexualmente transmissível; violência de todos os tipos (brigas em bares, homicídio, violência doméstica, acidente de trânsito, crise hipertensiva ou descontrole de diabetes ou doenças crônicas), entre outros.

O uso pesado episódico pode ser definido como o consumo de cinco ou mais drinques de bebida alcoólica em uma única ocasião para homens e de quatro ou mais drinques para mulheres. Um drinque é o equivalente a uma lata de cerveja (350 mililitros) ou a uma taça de vinho (150 ml) ou a uma dose de destilado (50 ml).

Conhecer quem são as pessoas mais suscetíveis a beber dessa forma e quais problemas têm mais correlação com esse consumo pode contribuir para o desenho de políticas públicas eficazes que previnam o problema, evitem sofrimento e, ainda, economizem recursos de saúde pública.

A pesquisa realizada pelo Dr. Daniel Socrates é parte de um grande levantamento epidemiológico realizado em todo o território nacional. A metodologia utilizada (amostragem probabilística) permite dizer que os resultados são representativos do que ocorre no Brasil como um todo. Os principais achados do estudo são os seguintes:

(1) os homens tiveram 2,9 vezes mais chance de beber em binge do que as mulheres;

(2) os participantes com idade entre 18 e 44 anos tiveram quatro vezes mais chance de beber em binge do que adolescentes e idosos;

(3) aqueles que ganhavam mais do que R$ 2.500,00 tiveram 2,3 vezes mais chance de se engajarem no comportamento de beber em binge do que aqueles com renda até R$ 450,00;

(4) indivíduos solteiros tiveram 50% mais probabilidade de beber em binge do que os casados.

(5) protestantes e evangélicos tiveram 70% menos probabilidade de beber em binge do que os católicos ou os sem religião.

(6) a chance de ter problemas sociais, familiares financeiros e no trabalho foi de 2,7 a 3,8 vezes maior entre os que beberam em binge;

(7) a chance de se machucar em acidente de qualquer natureza foi 17 vezes maior entre os bebedores em binge;

(8) a chance de perder o emprego foi 5,2 vezes maior entre os bebedores em binge.

A conclusão é simples: homens, solteiros, com renda média boa, sem religião ou católicos são os mais prováveis a se engajar no uso em binge, e aqueles que o fazem se acidentam mais e têm mais chance de perder o emprego, além de enfrentar problemas sociais e familiares.

A questão mais difícil de responder é por que os governos ignoram esses dados e se rendem à pressão do mercado para que cada vez mais incentivos ao uso, justamente desse público mais vulnerável, sejam veiculados sistematicamente na mídia…

Fonte: SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina