As intervenções precoces e o modelo de clínica-escola para tratamento de adolescentes usuários de drogas
No último post, discutimos tipos de consumo e os diversos padrões de uso de drogas por adolescentes. As perguntas agora são: como e quando intervir?
Assim como o consumo e os problemas dele decorrentes são um continuum, as intervenções também devem ser plurais, porém focadas. Não adiantam ações descoordenadas, sem foco e sem adequado controle.
A prevenção é o principal caminho, e as evidências apontam que dois grupos de ações são os que mais funcionam. No primeiro grupo estão medidas chamadas de universais, que atingem todos os indivíduos de uma sociedade sem distinção e que regulam o acesso e a disponibilidade de droga. São elas: o aumento do preço (para drogas lícitas, como o álcool e o tabaco); o controle dos pontos de venda; a restrição da idade para aquisição das drogas lícitas com adequada fiscalização; e a redução da oferta, combatendo o tráfico (para as drogas ilícitas).
Como podemos observar, essas medidas são de responsabilidade do Estado, por meio de políticas públicas. O que nós, cidadãos, podemos então fazer? Pressionar o Estado, por meio dos nossos eleitos, para que essas medidas sejam discutidas no Congresso Nacional e nas Câmaras Municipais de forma que se transformem em lei e que sejam fiscalizadas adequadamente. Existem interesses econômicos poderosos que influenciam as políticas públicas e querem evitar que medidas eficazes sejam implementadas, como é o caso das propagandas de bebidas alcoólicas, cuja restrição enfrenta muita resistência desses grupos. O Estado precisa fazer o contraponto e nós devemos pressionar e fiscalizar a ação do Estado.
O segundo grupo de medidas eficazes é chamado de prevenção seletiva ou indicada. Na prevenção seletiva, os grupos de adolescentes com mais riscos de uso de droga devem ser identificados e acompanhados. Por exemplo: crianças e adolescentes mais impulsivos ou que tenham alguma doença psiquiátrica, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, devem ser acompanhados mais de perto, porque têm mais chances de se envolverem com o uso. Esse papel é dos pais e dos professores, principalmente. Uma escola bem preparada conseguirá identificar esse grupo e estabelecer medidas preventivas específicas para ele. A prevenção indicada é aquela que atenta para os fatores de riscos específicos de um único adolescente. Ou seja, é necessário identificar o indivíduo e estabelecer medidas específicas que o protejam do uso experimental ou da evolução para uso problemático. Esse é o principal papel dos pais, que são os responsáveis por acompanhar o desenvolvimento dos seus filhos, monitorando o que eles fazem, com quem andam, bem como qualquer alteração de comportamento, por meio de um diálogo eficaz e afetivo.
Geralmente, as medidas preventivas universais e seletivas são também primárias. Ou seja, elas visam diminuir as chances de que um adolescente venha a experimentar a droga. As medidas preventivas indicadas são geralmente também do tipo secundária ou terciária. Ou seja, elas visam tratar os indivíduos que desenvolveram o problema e reabilitar funções perdidas por causa do problema.
A maior questão é o que fazer com adolescentes que já desenvolveram problemas e têm pouco suporte social e familiar. São aqueles adolescentes com os quais as medidas preventivas primárias já falharam, porque a família é desestruturada e disfuncional, a escola não conseguiu incluí-los e eles apresentam alguma comorbidade psiquiátrica. São meninos e meninas que estão na rua, nos abrigos ou sofrendo agressões, abuso e totalmente sem acompanhamento nas suas casas.
São eles que são internados na Unidade de Atendimento ao Dependente Químico (UNAD) e a quem as famílias não aparecem para visitar, porque são tão carentes de suporte quanto os próprios adolescentes. Algumas vezes usam droga também. Outras não querem recebê-los de volta em casa porque sabem que não darão conta do problema sem suporte adequado.
Para esses adolescentes, hoje o sistema de saúde dispõe dos Centros de Atenção Psicossocial CAPS, que devem fazer a conexão com a escola, com o suporte social e o de saúde. Mas como acompanhar o adolescente nesses serviços todos se ele mal tem onde morar? A taxa de abandono do tratamento é imensa, e eles têm crises recorrentes e precisam ser reinternados muitas vezes. Ou ficam na rua.
Nos Estados Unidos, existe um tipo de instituição que combina abrigo, escola, tratamento e reinserção social. Seria um modelo interessante a ser adotado no Brasil para esse público. É uma clínica-escola onde o adolescente receberá de maneira integrada a educação formal acompanhada por uma equipe de especialistas em dependência química e de reintegração social. O tratamento de adolescentes precisa ser integrado com educação, esporte e lazer. Aqueles que têm família e algum suporte social podem passar o dia nessa escola e voltar para casa à noite. Aqueles que não têm podem ficar alojados no período noturno. Aos fins de semana, atividades esportivas e de lazer são realizadas dentro da própria clínica e na comunidade, como teatro e cinema. Não se trata de internação nem de segregação, mas de tratamento integrado com suporte social.
O espaço para essas clínicas deve ser amplo e abrigar estrutura para esporte e lazer, como piscina, academia e quadras, além de salas de aula e consultórios. As aulas são realizadas por professores, monitores e psicólogos que ajudam na mediação de conflitos, na aplicação das regras sociais e na construção da cidadania.
Prevenir o uso de drogas e tratar adolescentes usuários exige muito mais do que discurso inclusivo. Exige competência e ações concretas, além de investimentos em capacitação e estrutura física.
Fonte: SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina